Em Caracas, a convocação da oposição se distribuiu em 20 pontos. Tudo ia correndo bem até o fim da manhã, com as pessoas caminhando de modo pacífico, usando bonés e bandeiras com as cores da Venezuela.
Como se tratava de um feriado, havia famílias com crianças, casais, grupos de adolescentes. Também, em alguns pontos, como Chuau e La Candelaria, havia jovens encapuzados e armados de pedras e coquetéis molotov, mas eram uma minoria.
Por volta do meio-dia (11h em Brasília), começaram a aparecer oficiais da Guarda Nacional Bolivariana, cercando as aglomerações e tomando a maioria dos manifestantes de surpresa.
Jovens passaram a colocar barreiras de metal ou armar as chamadas guarimbas, barreiras improvisadas com sacos de lixo, material de construção, arames ou o que houver.
Nada disso adiantou. As tanquetas da GNB avançaram sobre a multidão, em alguns bairros acompanhadas por coletivos (milícia pró-governo), com ataques com gás lacrimogêneo e balas de borracha.
A Folha esteve num deles. Na altura do distribuidor Altamira, local onde se concentrou o grupo pró-oposição na terça (30), a GNB começou a atirar nos manifestantes.
Os que estavam concentrados saíram correndo em diversas direções; os que vinham descendo (o bairro fica num local alto), voltaram a subir.
Os manifestantes, com os olhos afetados pelas bombas de gás lacrimogêneo, não viam direito o caminho e muitos tropeçaram nos escombros das paredes de proteção da avenida, que haviam sido derrubados pela própria GNB na manifestação do dia anterior.
Jurubith Rausseo, 27, participava dos protestos no local e foi atingida por uma bala na cabeça. Ela foi levada para a clínica El Ávila, mas morreu na noite de quarta. Na terça, outro jovem, Samuel Méndez, 24,morreu após participar de ato no estado de Aragua.
A moto em que a reportagem da Folha se transportava foi atingida pela fumaça de uma das bombas e chegou a cambalear durante a fuga.
O mesmo ocorreu em outras concentrações, algumas delas sendo diluídas nem bem haviam começado a marchar.
A GNB também se posicionou nas vias de acesso das autopistas que levavam até a praça Altamira, distribuindo violência e impedindo o acesso dos manifestantes.
Em suas falas pela manhã, no bairro de El Marques, Guaidó disse que a única forma de haver um golpe na Venezuela seria se ele fosse preso. E ressaltou ter respaldo internacional e apoio de militares.
“Nunca retrocederemos. Já não só os soldados valentes de Cúcuta, os sargentos de Cotiza, agora temos aos militares de La Carlota”, disse.
“A família militar sabe quem se esconde e quem dá as caras. Também sabe quem nos persegue e quem nos apoia. Se o regime acreditava que havíamos chegado ao máximo de pressão, se equivocou.”
Guaidó pediu que as pessoas não saíssem das ruas e declarou uma “greve escalonada”, porém sem explicar como. “Vamos continuar na ruas até conseguirmos a liberdade de toda a Venezuela.”
Guaidó tenta derrubar ditadura de Maduro
Já Maduro convocou atos para sábado (4) e domingo (5), chamando os oposicionistas Guaidó e Leopoldo López de marionetes do presidente dos EUA, Donald Trump. “Jamais haverá uma marionete como presidente no Palácio de Miraflores”, disse em discurso.
Maduro também afirmou que a GNB não permitirá um golpe contra ele. O ditador disse que foi o povo que o escolheu e que apenas o povo poderá lhe tirar o cargo.
A dificuldade para a oposição será permanecer nas ruas. Muitos dos que saíram para ver Guaidó na quarta foram atingidos por bombas ou tiveram de correr dos coletivos.
A repressão fez com que sua equipe desistisse de uma mobilização prevista para a praça Altamira.
Pessoas que haviam passado mais de quatro horas debaixo de um forte sol começaram a voltar para casa antes das 16h (17h), desanimadas.
“Não é culpa dele, os caras têm muita força e são muito cruéis”, disse Edwin Salazar, 21.
A produtora de cinema Sandra Solorzano, 38, por outro lado, culpava o jovem líder. “É um movimento descabeçado, sem ordem nenhuma. Ninguém orienta, e ficamos expostos à violência”, disse, enquanto borrifava água e vinagre num pano para limpar o rosto, afetado pelas bombas de gás.
Três jornalistas foram feridos pela GNB e levados para uma clínica particular: Juan Carlos Neira, na cabeça; Gregory Jaimes, no rosto por um morteiro, em estado grave; e Rubén Brito, no braço, por uma bala de borracha.
Quando a reportagem da Folha estava escrevendo este texto, num hotel ao lado da praça, chegaram os coletivos, em motocicleta, e começaram a expulsar com tiros de bala de borracha todos os que estavam ali.
Ouviam-se os disparos, os gritos das pessoas correndo, as padarias e cafés fechando as portas metálicas com pressa, enquanto pessoas tentavam resguardar-se ali.
Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Constituinte, ligada a Maduro, e número 2 do chavismo, disse que Guaidó não conseguiria realizar uma paralisação desse tipo.
“Para convocar uma greve escalonada, é preciso força. Guaidó tem força? Zero. Vejam quanta gente mobilizou hoje. [Eles] não têm povo para manejar, não têm povo para convencer de suas propostas, para que se mova com eles”, disse Cabello à imprensa local, durante uma marcha em Caracas convocada pelo governo para celebrar o 1º de Maio e mostrar apoio a Maduro.
Cabello comparou os atos de terça a uma tentativa de golpe de Estado comandada por Hugo Chávez.
“Nós, em 1992, não pensamos em terminar em uma embaixada. Assumam sua responsabilidade”, provocou, em referência ao fato que López foi para a embaixada da Espanha após deixar a prisão domiciliar e participar de atos na terça.
NÚMEROS DO 1º DE MAIO
397
pontos de manifestação
78
feridos e 1 morto
89
presos
Fonte: Assembleia Nacional, em todo o país