Por João Trindade – O cancioneiro nacional, mormente o nordestino, é rico em poética, poesia e recursos linguísticos. O nosso forró, o chamado “forró autêntico”, tem letras magistrais, a exemplo de “Que nem vem-vem”, de Maciel Melo, celebrizada na bela voz de Flávío José:
“Quebrei no dente
Um taco da literatura
Tô na história, tô e sei
Que sou motivo pra falar
Entrei de cara, cara
Tô saindo fora
Tá no tempo já é hora
De poder me desfrutar
Semente negra
Eu sou raiz poderosa
Aguada em verso e prosa
Na cacimba de Belá
Meu canto tem
O chaco-chaco de uma cuia
E tem, tem as manhas
Que Mestre Louro plantou
Pra colher um canto
Assim que nem vem-vem
E soar como um acorde de sanfona
Festejar que nem Passarim no xerém
Namorar com as batidas da zabumba
Tum-tum-tum bate-bate meu coração
Por um forró
Que nem os de Passagem Funda
Tum-tum-tum bate-bate meu coração
Dá-lhe zabumba
Jackson no pandeiro é ás
Tum-tum-tum bate-bate meu coração
Se essa morena não me quer
Não quero mais.”
A letra é riquíssima em elementos regionais e poéticos.
Primeiramente, o título: “Que nem vem vem”.
Que nem é uma conjunção subordinativa adverbial comparativa, de gosto popular, equivalente a como.
Vem-vem: pássaro muito conhecido na nossa região.
A primeira estrofe:
Quebrei no dente um taco da literatura (…)
Taco ou “taquim” é um termo popular, usado, sobretudo, no sertão da Paraíba. Taco ou “taquim” significa pedaço.
(Quebrei no dente um pedaço da Literatura; como, por exemplo, um “taquim” de rapadura).
Entrei de cara, cara tô caindo fora.
(aqui, temos uma aliteração: “cara tô caindo fora”).
Aliteração é a repetição sistemática do mesmo fonema consonantal; no caso, o fonema C: “cara , tô caindo fora!(…)”.
‘Meu canto tem um “chaco chaco” de uma cuia (…)’.
Aí, temos uma onomatopeia: o “chaco, chaco” imita o som da água batendo no fundo da cuia. Como todos sabem, onomatopeia é uma figura em que se imitam ruídos.
Outra onomatopeia interessante: Tum Tum Tum, que, no caso, imita o som DA zabumba.
Para finalizar, não podemos deixar de destacar a rima rica, nos seguintes versos:
Dá-lhe zabumba
Jackson no pandeiro é ás
Tum tum tum bate, bate, meu coração
Se essa morena não me quer
Não quero mais.
Observe que se rimou ás (substantivo) com mais (advérbio). Rima com palavras de classes gramaticais diferentes classifica-se como rima rica.
Convenhamos que é preferível uma letra dessa às que falam em rapariga e bebida; típicas do Aviões do Forró.