CAMINHOS RURAIS: Por Pedro Nunes Filho


ImageQuem dá vida aos lugares são as pessoas e os vínculos afetivos e familiares que as ligam umas com as outras. Quando uma presença marcante parte, o lugar muda e passa a ser outro. Perde a aura, o significado, a luz. Vozes diferentes passam a ser ouvidas na solidão dos espaços. Os móveis já não são mais os mesmos, a arrumação dos objetos é diferença. Nas paredes, pregos enferrujados indicam lugares de velhos quadros de família que também foram embora. Relógios no formato de oito, que davam sonolentas badaladas e no silencia das noites escuras seus tique-taques incomodavam, também partiram, deixando apenas suas marcas nas paredes desbotadas.

Com a chegada das antenas parabólicas, num estalo de tempo, os costumes mudaram. Mesas imensas de cedro forradas com toalhas brancas e cobertas de comidas nutritivas sumiram.  Os sabores e as preferências são outros. As crenças fragmentaram-se, os centros de interesses culturais se deslocaram.

É preciso reconstruir, refazer as relações, unindo o novo ao antigo, sem nunca abandonar as origens, para que os lugares não restem improdutivos, vazios de significado, sem vida, entregues ao silêncio e ao abandono. O mundo evoluiu, mas é preciso descobrir estrelas escondidas nos céus do tempo, às vezes, bem pertinho e a gente não é capaz de vê-las.

Quem aproximou cada pessoa para trocar afetos e criar vínculos de sangue, ninguém sabe ao certo. Destino? Sei lá... Na vida, caminhos se cruzam o tempo todo. Bom mesmo seria nunca apagar os rastros que cada um deixa estrada afora. Assim, os lugares não perderiam sua vitalidade nem com o passar do tempo murchariam.

Essa é uma reflexão que faço cada vez que vejo um casarão de fazenda abandonado. Outrora, carne, leite, queijo, peles, algodão e seriais sobravam. As fazendas eram rios que transbordavam em fartura. Muitas daquelas localidades ainda hoje escondem botijas que jamais serão encontradas, a não ser que os antigos  donos venham mostrá-las em sonhos, ventura que muitos sonham ter e não têm.

O mundo mudou tanto no espaço de um século que os casarões e suas instalações vetustas e sólidas passaram a ser verdadeiras relíquias porque contam histórias que não se repetem e carecem muito ser documentadas para uma leitura amorosa e sentimental do tempo. Sem isso, o povo perde qualidade porque se afasta de suas origens.

Para desgraça de patrimônio tão valioso, três fatores concorrem e se complementam: a pobreza da região, a ignorância do povo e o desinteresse dos governantes. Faltam-lhes senso de pertinência e compromisso com a história local, cada vez mais opaquecida. Só tem valor a história dos outros. A nossa, não!

A antiga freguesia de São João, localizada nos Cariris Velhos, abrangia um território imenso. Lá, as casas-grandes das fazendas guardam um patrimônio arquitetônico valioso, à espera de um programa de proteção, uma resposta mínima que seja de algum visionário.

Fico lamentado os milhões de reais jogados fora nas megafestas de São João ou pagodes pretensamente juninos,  que todo ano acontecem em cada municipalidade da região e que só servem para distanciar ainda mais o povo de sua cultura e de suas origens. Tivesse o Ministério de Turismo um mínimo de visão, o dinheiro bastava para tombar e recuperar todas as casas rurais em ruína naquela vasta região e ainda sobrava para criar acessos e gerar um programa sustentável de turismo. Os moradores teriam orgulho de contar sua própria história, que é a história de cada branco colonizador, cristão novo ou não, que a partir de 1690 embrenhou-se naqueles sertões bravios, miscigenou-se com as índias, deixando poeira de seu sangue, sobras de coragem e valentia, na genética de seus descendentes. Um povo que não se enxerga nem se valoriza perde seus valores culturais e empobrece.

Em espaços rurais culturalmente protegidos, aí sim, cada comunidade, livre das macaquices das bandas e do lixo musical dos pagodeiros bregas, iria comemorar de forma original  seus festejos juninos!

*É advogado, escritor e membro do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco- IAHGP.
pnunesfilho@yahoo.com.br

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